Long time no see, Mr. G.
Houve um ano em que a vida maltratou Mr.G., várias vezes, antes de Mr. G. começar a maltratar-se a si próprio, ao ponto de abandonar as suas histórias.
Mr. G. foi forçado a viver com mais amargura, mesmo quando algo de bom acontecia. Não havia maneira de fugir, nem de esquecer. Os infortúnios da vida tinham vindo para ficar e nada do que fizesse conseguia dissipá-los, era preciso aprender a viver com eles. Não era uma questão de tempo, ou era, se pensarmos que seria assim até ao fim do tempo. Mr. G. sabia que a felicidade pura, esse estado, essa sensação, esse quase-milagre, nunca mais iria voltar. Pode ser feliz ainda, sem dúvida que sim, mas... faltam-lhe as suas pessoas mais queridas. Nunca mais iria vivenciar a felicidade na sua forma pura. Partiram demasiado cedo e Mr. G. sentiu-se só, muito só. Mesmo quem estava mais longe o fez sentir só. Esqueceu-se daquilo que era. Deixou de sentir. Mais grave de tudo: esqueceu-se que era um contador de histórias. Bem sabemos que quem não consegue sentir, tão pouco consegue contar histórias.
Nesse ano de número amaldiçoado, Mr. G. teve prazeres que provavelmente não saboreou da melhor maneira (como poderia? quanto tempo demora até alguém deixar de se sentir culpado pela sua alegria, depois da tristeza?). Mas Mr. G. não deixou de ir. Andou de comboio e de avião, viu casas bonitas, prédios impressionantes e pessoas. Muitas, tantas personagens possíveis que podiam ter nascido ali e acolá. Ele próprio foi o seu personagem, em diversas situações. Podia ser uma mão cheia de criações, não fossem tão escassos os picos de inspiração. Mr. G. tinha a capacidade de ser a sua própria inspiração. Às vezes não precisava de mais nada para além dele mesmo. Num sítio qualquer, com uma vista qualquer, vestido de uma forma qualquer. Depois, viria um cheiro, um som, algo que lhe despertava ideias, aquele diálogo mental que lhe alimenta a alma e que silenciava cada vez mais.
Histórias. É difícil prever o momento certo para as contar. Todavia, um contador de histórias não se esquece assim tão facilmente. Felizmente, é o caso de Mr. G., pois ainda ontem lhe veio à memória a rapariga francesa com brincos de prata que acredita em contos de fadas. Lembrou-se também dos três truques que a senhora de meia idade com chapéu de pescador lhe segredou no jardim das rosas.
Aquele maldito ano finalmente deu lugar a um novo. Mr. G. ainda vive, ainda que com mazelas, e voltou a lembrar-se de como é bom contar histórias.