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Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Para Lisboa, com saudade

C(o)rónicas de Quarentena #5

M., 03.06.20

Começou pelas pessoas. Na hierarquia de importâncias, as pessoas têm de vir primeiro e assim foi. Embora umas mais do que outras, as pessoas foram marcando presença nesta temporada atípica. 

Então e a cidade, a minha cidade? Como se comunica com uma cidade sem sair de casa?

Não se comunica. A cidade não tem número para telefonar, nem uma só morada para onde escrever. A cidade não faz vídeochamadas. Quanto muito, vamos vendo, à distância, pedaços que alguém fotografou ou vídeos filmados por drones. Não é a mesma coisa.

Não é sentir as pedras da calçada portuguesa debaixo das solas dos sapatos, nem o vento que teima em levantar vestidos. Não é sentir o cheiro do pão quente ou das castanhas assadas. Não é treinar a arte do "desvianço" quando o Chiado tem mais pessoas do que espaço. Não é ver o sol a pôr-se em Belém e as luzes da ponte a acender como por magia. Não é ficar com os gémeos doridos só para subir ao jardim do Torel. Não é ficar a observar os cães no "lago" do Linha d'água e os patos na Gulbenkian. Não é descer o Parque Eduardo VII e a Avenida da Liberdade só porque sim. Não é vaguear por ruas e becos da Mouraria em busca de outros tempos. Não é ouvir música no Jardim da Estrela e comer panquecas em Campo de Ourique. Não é passar a tarde a ver barcos à vela na Ribeira das Naus. Não é jantar num clandestino do Martim Moniz e subir até à Senhora do Monte para ter a vista mais bonita de todas. Não é passar tardes de chuva em cafés acolhedores ou ficar à sombra da árvore centenária do Príncipe Real em dias solarengos. Não é passar noites inteiras nas ruas do Bairro Alto. Não é festejar os Santos Populares em modo "sardinha enlatada" na Rua da Bica e na Vila Berta. Não é fugir dos pombos no Rossio e jantar numa esplanada na Praça das Flores. Não é beber uma ginginha a caminho do Largo do Carmo, antes de ouvir alguém a tocar guitarra no Miradouro de São Pedro de Alcântara.

Estas são algumas das coisas de que mais gosto e que mais falta me fazem. Para além daquelas que ainda vou descobrir, sei disso, porque a lista nunca termina. Lisboa será sempre a minha cidade favorita e se tivesse caixa de correio era isto que lhe escrevia.

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