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Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Os Anagramas de Varsóvia | Opinião

M., 09.11.18

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Para Erik Cohen, o inverno de 1940 foi o mais frio e doloroso de todos. Vivia-se, e principalmente morria-se, em pleno Holocausto. Esta história acontece no gueto judaico de Varsóvia, o maior da Polónia, onde foram enclausurados cerca de 380 mil judeus. É neste contexto que Erik se vê forçado a partilhar um apartamento com a sua sobrinha Stefa e o sobrinho-neto Adam. De início, sempre contrariado, era visto como o tio velho e rabugento. Porém, pouco tempo depois Erik rende-se ao doce Adam, um rapaz vivaço, inteligente e bondoso que trazia alegria aos dias duros que se viviam. Até ao dia em que...

 

...inesperadamente, o corpo de Adam aparece sem vida e mutilado. Erik assume, então, a dolorosa missão de decifrar o sucedido. Quando descobre mais crimes semelhantes dirigidos a outras crianças do gueto, esta torna-se a sua missão de vida, ou a única coisa pela qual valia a pena viver. Com a ajuda do seu velho amigo de infância Izzy, Erik leva a investigação ao extremo, colocando várias vezes a sua vida em risco.

 

O relato constrói-se com base numa conversa entre Erik Cohen e Heniek Corben, que por sua vez vai colocando algumas notas de rodapé a expor as suas aparentes descobertas enquanto escuta e escreve a história. Estes pequenos pormenores incitam o leitor a ficar mais atento. Falo por mim, que passei a redobrar a atenção e a tentar ler nas entrelinhas, não fosse algo ter-lhe escapado no meio de tantos anagramas, duplos e triplos significados das palavras, simbologias, idiomas... 

Outra particularidade da narrativa é a dúvida crescente sobre quem são estas duas pessoas, Erik e Heniek. Conhecem-se? São a mesma pessoa? Estarão vivos ou mortos?

 

Além da vertente enigmática e policial, o livro é deveras comovente. Há excertos que fazem nós na garganta e atiram “areia” para os olhos (no meu caso, foram muitas toneladas de areia, mas adiante...). Há frases tão fortes que dão vontade de emoldurar. Richard Zimler sabe perfeitamente como emocionar, sensibilizar e chocar. Embora eu seja uma pessoa sensível, sinto que não posso ignorar as partes negras da nossa História e que tenho de suportar a angústia de alguns testemunhos para não ficar na ignorância.

 

Recomendo vivamente esta leitura, que emociona ao mesmo tempo que passa conhecimento sobre o mundo e submundo dos guetos judaicos, onde existia todo tipo de privações e atrocidades, mas também onde se trabalhava a sobrevivência das formas mais imprevisíveis e criativas e onde cresciam movimentos de resistência. Conhecer para nunca mais esquecer. É esta a urgência das palavras de Erik, que Zimler conseguiu tão bem retratar, representando milhões de judeus que não ficaram para contar a história. 

 

Curiosidades:

  1. Em 1943 chegou mesmo a haver uma revolta organizada contra os nazis no gueto de Varsóvia. No entanto, como resposta, o gueto foi bombardeado e hoje existem apenas pequenos vestígios espalhados pela cidade. 
  2. O filme O Pianista também se desenrola no Gueto de Varsóvia. Baseia-se no testemunho verídico de Władysław Szpilman, um sobrevivente do Holocausto.
  3. Nairama Lhegasama e Iranama Sagalhema são dois possíveis anagramas para o meu nome.  
  4. Depois de uma leitura destas, tenho de ir a Varsóvia. Achei que deviam saber.

 

Espero que tenham gostado e se já leram este livro, deixem a vossa opinião. :)


Resta apenas uma última questão: qual é o próximo livro de Richard Zimler que devo ler?