Faz hoje duas semanas que cheguei a casa e pousei portátil da empresa na minha secretária, ainda de cabeça a andar à roda com muitas dúvidas sobre como é que isto da quarentena ia ser.
Houve um tempo em que trabalhei em casa, a paginar livros para uma Editora, corria o belo ano de 2014. Não foi há uma eternidade, mas juro-vos que para mim, foi numa vida passada.
Na altura, não adorei ficar em casa.
Tinha acabado de sair de um projeto em que entrevistava turistas no Aeroporto. 8 horas por dia, naquele ambiente frenético e fascinante, a falar o máximo de línguas que conseguisse, com o maior número de estranhos possível, e sempre com uma equipa super divertida. Conseguem imaginar o cenário?
De repente, não tinha nenhum sítio para onde ir nem ninguém com quem falar. Sentia-me cada vez mais sozinha. Até que, numa mistura de impulso e de aborrecimento, inscrevi-me num curso (sou ligeiramente viciada em cursos). As aulas eram 3 vezes por semana, dava bem para conciliar, e voltei a ter uma vida mais interessante. Quando o curso terminou, não quis voltar para casa a tempo inteiro. Percebi que conseguia fazer coisas diferentes e precisava disso. Então comecei um part-time numa agência de comunicação, e… bom, nunca mais parei em casa muito tempo.
Até há quinze dias.
[Mesmo quando fiz uma rotura de ligamentos a saltar num trampolim gigante, arranjava forma de ir espairecer e não ficar fechada.]
Sou daquelas pessoas que aproveita todas as oportunidades para sair de casa, mesmo num fim-de-semana banal. Tenho o bichinho carpinteiro de estar lá fora, sabem? Percebem, portanto, o meu choque quando me enviaram para casa e disseram que nas próximas 3 semanas (que podem muito bem vir a ser 3 meses...) não vou ter nem vestígios de vida social. Senti alguns suores frios e tive muitos flashbacks de 2014.
Sabia que ia ser um desafio, assim como sabia que muito provavelmente ia ser diferente, porque eu estou diferente.
Ora bem. Apesar de ter altos e baixos, no geral diria que está a ser uma experiência interessante e melhor do que eu pensava.
Ao fim de quinze dias de quarentena, a pessoa percebe que:
~ É muito cómodo chegar ao local de trabalho em apenas meia dúzia de passos. Quase parece magia!
~ É possível estar mesmo confortável, apanhar o cabelo no cocuruto sem o pentear e repetir várias vezes as mesmas roupas sem parecer uma pessoa pouco higiénica ou economicamente desfavorecida.
~ É incrível trabalhar de pantufas. Ainda não cheguei à fase do pijama, calma.
~ Poupa-se bastante. Em gasolina, em brunches, jantaradas, saídas à noite, eventos no geral. Cheira-me que no final deste ano vamos andar todos em hotéis de 5 estrelas a beber champagne ao pequeno-almoço.
~ Ter uma varanda onde bate o Sol tornou-se a coisa mais preciosa deste Mundoooo!
~ A seguir à varanda, a videochamada é a segunda coisa mais preciosa. Ou a primeira, dependendo dos dias.
~ É possível ter uma vida social 100% digital. Porém, corremos o risco de começar a ter discursos quase profissionais, do género “marcamos call para hoje às 21h?”; “amanhã às 18h ligo-te”; “agora estou noutra call, não posso falar”.
~ Vendo bem as coisas, acho que já falei mais com as minhas pessoas nestas duas semanas do que nos últimos dois meses. Ou estava muito desleixada, ou este vírus anda mesmo a aproximar as pessoas.
~ A app Party House é engraçada, mas só até já sabermos as respostas todas de cor… Ainda assim já proporcionou boas gargalhadas e tem mérito por isso.
~ A criatividade é muito posta à prova. Temos literalmente de descobrir coisas para nos entreter dentro das nossas paredes. Mais um bocado e somos como aqueles bebés que tiram tudo dos armários da sala (livros, caixas, o que for) para “provar”.
~ Por falar em provar, apercebi-me que a cozinha pode ser mesmo muito entertaining, porque se uma pessoa quer comer mais do que pizza e congelados, praticamente passa lá a vida. Aos poucos, estou a restaurar a fé na minha veia culinária. Rezem por mim!
~ Uma casa tem demasiadas coisas. Se calhar até é boa ideia destralhar. Falta apenas chegar a vontade, e vamos a isso (a minha está um bocadinho atrasada, estou à espera, ok?). Enquanto isso, tenho livros para acabar, séries para começar e filmes para riscar da lista.
~ O meu cão tornou-se simultaneamente no melhor e no único fitness pal. Pode não ter discursos motivacionais, mas só para não lavar e desinfectar o chão 4 vezes por dia, uma pessoa salta do sofá e está pronta para fazer jogging. No final, sabe mesmo, mesmo bem.
~ Os dias passaram a ter um odor forte a álcool, lixívia e gel desinfectante. É muito provável que percentagem de pessoas germofóbicas venha a aumentar e que eu seja uma delas.
~ De todos os procedimentos que temos de cumprir, o que mais me custa é quando vou às compras. Se eu antes já não era fã de ir ao supermercado, agora parece que estou num filme distópico qualquer e fico assustada.
~ Notícias trágicas chegam a cada hora e não é fácil lidar com isso. É preciso silenciar estas informações de vez em quando, para não entrar em parafuso. Quando somos mais seletivos no que consumimos, descobrimos que há iniciativas muito bonitas a acontecer por essa internet fora.
~ Sinto que, com tudo isto, andamos a pensar mais em nós, na vida que tínhamos e na possibilidade de não a voltarmos a ver tão cedo, ou de nem sequer voltar a ser a mesma. Isto dá muiiito que refletir!
~ A maior vantagem desta quarentena é que temos mais tempo para dedicar aos nossos projetos pessoais e hobbies que estão em banho maria. Assim como este pequeno blog, não é?
Et voilá, é assim que tem sido a vidinha nestes dias. Apesar de estar tudo muito diferente, estou tranquila e sigo forte para a próxima semana! E vocês?