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Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Letra Éme

uma série de devaneios meticulosamente desordenados

Devíamos ser mais como os peixes

M., 10.04.20

Em tempos de quarentena, quero partilhar um belíssimo excerto de um dos últimos livros que li: a máquina de fazer espanhóis, de valter hugo mãe.

Valter Hugo Mãe é um dos meus escritores favoritos já há alguns anos, pela forma realisticamente poética como se expressa sobre aquilo que é a vida, o amor e o sofrimento. Neste livro, conhecemos o senhor Silva que depois de ficar viúvo, aos 84 anos, vai viver para um lar. Durante este período, para além de pensar na sua vida e de fazer novas amizades, passa por alguns momentos introspetivos, como é natural. Houve um destes momentos que me marcou particularmente e que não podia ser mais apropriado para a situação que estamos todos a viver:

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"sabes que os peixes têm uma memória de segundos. aqueles peixes bonitos que vês dentro dos aquários pequenos, sabes que têm uma memória de uns segundos, três segundos, assim. é por isso que não ficam loucos por dentro daqueles aquários sem espaço, porque a cada três segundos estão num lugar que nunca viram e podem explorar. devíamos ser assim, a cada três segundos ficávamos impressionados com a mais pequena manifestação de vida, porque a mais ridícula coisa na primeira imagem seria uma exploração fulgurante da percepção de estar vivo. compreendes, a cada três segundos experimentávamos a poderosa sensação de vivermos, sem importância para mais nada, apenas o assombro dessa constatação."

Fabuloso, não é?

Cada dia que passa dá-nos a oportunidade de encarar tudo de uma forma diferente, nova, inesperada se quisermos. Isto significa que temos também oportunidade de nos deixarmos deslumbrar com coisas simples às quais deixamos de dar importância na nossa correria habitual. Como aquela plantinha que temos há semanas e que finalmente está a crescer ou aquela receita da nossa avó que saiu perfeita.

E a felicidade de partilhar estas vivências tão simples com os nossos amigos e família, como se fosse algo novo e absolutamente excitante?

Ao princípio tive medo que as conversas ficassem desinteressantes (ai, ai, Mariana... como se aquilo que nos dá interesse fossem as coisas lá fora!). Custa-me um bocado admitir isto, porque é um perfeito disparate. O que nos torna interessantes é o que cultivamos "aqui" dentro e a nossa capacidade de nos reinventarmos, de nos adaptarmos às circunstâncias. É certo que há várias maneiras de viver esta fase, podemos escolher ficar a vegetar e a fazer sempre o mesmo, ou podemos escolher ser como os peixes.

É importante sermos como os peixes e agradecer a sorte que temos, mesmo quando estamos confinados aos nossos "aquários". São estes aquários que nos protegem e que nos permitem continuar a viver, ainda que de uma forma diferente.

Por isso, queridas pessoas: aproveitem este tempo, deixem-se surpreender, usem e abusem dessa criatividade e, claro, leiam muito!

Os meus livros em 2017 // Parte 1

M., 08.01.18

Já estamos em 2018 e Ano Novo que se preze vem cheio de retrospetivas do seu antecessor. Como tal, deixo-vos aqui a primeira parte dos livros que li em 2017, de forma resumida e por ordem cronológica, como manda o calendário. Vamos a isso?

 

Comecei o ano com uma obra que já queria ler há anos: O Ano da Morte de Ricardo Reis. Primeiro, para dar outra oportunidade a Saramago (depois do Memorial do Convento) e segundo porque a premissa junta Fernando Pessoa e o heterónimo Ricardo Reis, logo, tinha tudo para ser bom. Pois bem, é de facto um bom livro, com excelentes caracterizações, ideias fervilhantes e descrições bem reais da Lisboa de Pessoa. Ainda assim, sou adepta do princípio "menos é mais", e foi só por isso que o livro não entrou para a lista dos meus preferidos.

 

morte ricardo reis_saramago copy.pngO Ano da Morte de Ricardo Reis. José Saramago. (2017) Porto Editora.